Agarra o Dia, diz o Saul Bellow
Abril 23, 2020
Tenho andado preguiçoso (eu disse-o no footer não disse?), mas "Seize the day" do Saul Bellow é digno de nota, e a minha estreia com o escritor merecia umas breves palavras. O Hugo anda a ler o "Herzog" que lhe ofereci, e em conversa falou deste livro, a respeito de uma crítica positiva de alguém que não me recordo quem, e aqui estou. É justo que se diga de Bellow um bom escritor e no fim agarremos nós o dia.
You can spend the entire second half of your life recovering from the mistakes of the first half.
Esta novela vai focar-se na vida Tommy, um jovem que desiste da sua formação académica para seguir o sonho de ser actor. Derrotado do sonho e conformado com a vida, Tommy acaba por se tornar vendedor, casa-se e tem dois filhos. A vida correria bem não fosse Tommy ficar desempregado por se despedir, separado da mulher que lhe recusa o divórcio e vive às suas custas, e o seu pai, que possuindo algum capital, recusa-se na ajuda. Tommy, ou sempre Wilhelm Adler para o seu pai, desesperado e só, acaba por cair num esquema que se adivinha fraudulento. Ao longo de um dia teremos assim acesso à sua vida e idiossincrasias.
Ao lermos este quarto trabalho de Bellow de imediato é fácil rotularmos Tommy de falhado, só mais um preguiçoso, alguém que espera que a vida se resolva por si, já que ele limita-se a problematizá-la. Contudo, podendo ser estes juízos certeiros, não há como negar que nem todos nascemos para este jogo rígido em que se alicerça a sociedade, e assim a vida de Tommy, escrita na década de 50 do século passado, mantém-se fresca como o orvalho da manhã. Condenado a repetir-se nas derrotas, desamparado, Wilhelm agarra o dia num processo de revisitação do passado, terminando esta purga com a confrontação da morte, e, chorando-a, constata o leitor que num mundo moderno mais facilmente chora um estranho por um desconhecido.
Bringing people into the here-and-now. The real universe. That's the present moment. The past is no good to us. The future is full of anxiety. Only the present is real-the here-and-now. Seize the day.
Saul Bellow entrega-nos o peso do ser, Wilhelm muda o seu nome para Tommy, a pessoa que sempre sonhou ser, uma espécie de Gatsby que não consegue nunca reverter o seu passado, seja pelo pai que o nega enquanto Tommy ou pela impossibilidade de conseguir construir império. Diria que "Seize the Day" vai além do mito americano, toca no mito da prosperidade moderna, no que assenta e implica. Lembrando obras como "A Morte de Ivan Illitch" ou "O Estrangeiro", trata uma reflexão necessária e complexa, existencialista e bem humorada, sobre os obstáculos que devem ser ultrapassados e a factura a pagar por querermos tão simplesmente o luxo de ser num mundo moderno. Se pelo menos fosse fácil.
Facts always are sensational.