Nostalgia do Absoluto
Abril 08, 2020
George Steiner escreveu o livro que dá título a este post e que li há uns anos. Em breves ensaios Steiner expõe a sua tese de que na nossa sociedade ocidental os sistemas religiosos tendem para a decadência, promovendo o aparecimento de novas mitologias como forma de colmatar um vazio latente.
A promoção da irracionalidade, o surgimento de histerias colectivas e de obscurantismo em plena era científica surgem assim como barómetros dos nossos comportamentos, e, mesmo que cómicos e irrelevantes, acabam por ser o testemunho de que não amadurecemos. Incapazes cedemos à humilhação pessoal, revelando-se este um drama ainda por resolver. Procuramos filosofias e cosmologias para satisfazer a nossa necessidade de absoluto e no fim eventualmente constatamos que apenas nos resta entropia.
Posto isto pensei em 5 livros que de alguma forma, e na minha óptica, instigam a esse apelo nostálgico pelo absoluto (o quadro por Giorgio Chirico, Nostalgia of the Infinite, 1912-1913). Uma lista que alberga esse chamamento de uma forma racional e edificante, porque também assim deve ser a arte, evitando a escuridão mental que teima em prevalecer nesta perene sede cega de nos entregarmos ao sublime:
Contacto, Carl Sagan: Um sinal de rádio é recebido na Terra vindo além das estrelas mais próximas. Este sinal contém as informações para a construção de uma máquina para viajar no espaço. Uma máquina que pode levar um humano a encontrar quem enviou a mensagem. Uma reflexão fulcral de Carl Sagan, no seu único romance de ficção científica, sobre o amor, a ciência e a religião que no fim nos promete contactar com o absoluto. Sendo a adaptação cinematográfica pertinente de igual forma.
A Montanha Mágica, Thomas Mann: Hans Castorp é um jovem normalíssimo que decide ir visitar o seu primo que recupera num sanatório em plenos alpes suíços. O que seria uma breve visita transforma-se numa estadia de sete anos. Hans apaixona-se e impregna-se das ideias que pairam na clínica. Ideias estas que estando em isolamento reverberarão de forma mais intensa num mundo que está às portas da primeira grande guerra. O isolamento que permeia a acção deste livro de Mann não é só pertinente nesta altura de COVID-19 como nos remete para a questão do absoluto, parados, podemos olhar para trás e projectar-nos no futuro.
O Canto Nómada, Bruce Chatwin: A vida indígena da Austrália serve de quadro a Chatwin. Os cantos são caminhos invisíveis que conectam as comunidades, trilhos estabelecidos e com fronteiras antigas. Os aborígenes passaram estes cantos ao longo de gerações, cantos que albergam os segredos do passado e da criação da Terra. Numa narrativa tão mágica quanto o canto nómada o autor descreve-nos as suas viagens e busca sobre a verdade latente nestas músicas, e que mistérios ocultam as suas histórias. O absoluto aqui é dado com reminiscências primordiais, de que há sabedoria que não se perde e nos acompanha. Basta ouvirmos.
Viagem a Portugal, José Saramago: Percorrendo o país de ponta a ponta Saramago cria um híbrido especial. Este livro que não se resolve só na crónica, livro de viagens ou em memórias, é capaz de mostrar o quanto, e tanto que é, que estamos a perder deste nosso país. A viagem a Portugal instiga à repetição dos passos já dados, o olhar-se aqui de dentro, para que possamos traçar novos caminhos rumo ao absoluto que nos é dado diariamente e tendemos a rejeitar.
Todas as Palavras, Manuel António Pina: Para finalizar, poesia com Manuel António Pina, capaz de envolver o leitor e entregar a complexidade literária a que pode a poesia erguer-se. A vida elaborada e una, a casa, a chuva, a ciência, os livros. A poética reunida daquele que é para mim um poeta maior, e que nos devolve via directa para o absoluto.